Pensar a Saúde

Pensamentos sobre… saúde, enfermagem, et al.


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Enfermeiros e as Vacinas COVID

Pensei bastante se deveria ou não publicar este pensamento, primeiro porque escrito pode ser mal interpretado, depois porque não tenho como explicar de outra forma e por fim porque pode dar uma ideia errada da minha visão da enfermagem.

Decidi publicar pela simples razão de que se deixar as pessoas indiferentes foi só um desabafo, se não deixar e gerar discussão pelo menos serviu para alguém refletir. Aqui vai…

Enquanto uns vêm potencial para a alargar o espectro da profissão e consequentemente valorização social e financeira, os enfermeiros continuam a ser os bons samaritanos.

O governo decreta que a vacina só deverá ser efetuada no SNS!

Retira assim poder aos privados (que poderiam criar centros de vacinação) retira poder às farmácias (que há anos tentam pegar nesta área de atuação) e dá poder aos enfermeiros (no SNS só os enfermeiros vacinam).

Qual o potencial que os enfermeiros tinham?

Mostrar que efetivamente são um elemento diferenciado na área da vacinação, retirar dividendos em termos de exigência de melhores condições (físicas e humanas), aumentar a força numa eventual valorização salarial.

O que faz?

Forças da profissão num silencio absoluto (não devemos aparecer só para criticar mas para agradecer e elogiar) e aparecem movimentos associativos de enfermeiro, mais ou menos organizados, a recrutar colegas VOLUNTÁRIOS para auxiliar o SNS na administração de vacinas.

Mais uma vez vamos ser as freiras, os bons samaritanos e os voluntários que salvam Portugal! 

Tudo certo mas no fim não venham as queixas que não retiraram valor acrescido disso. 

No fim, não haverá mais enfermeiros nos Centros de Saúde, não haverá maior valorização financeira e manter-se-á a imagem de que quando é preciso fazemos e ninguém nos tem de pagar por isso.


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Agressões à sociedade!

Para mim há três setores fundamentais na sociedade, podendo até chamar-lhes de certa forma pilares sociais: saúde, educação e segurança publica.

Nos últimos anos temos vindo a observar que os profissionais destas três áreas têm sido constantemente agredidos de várias formas: desinvestimento nos sectores, desrespeito cívico para com os mesmos e agressões físicas e psicológicas no desempenho das suas funções.

Nos meus quase 14 anos de SNS fui agredido fisicamente duas vezes e foram inúmeras as vezes que fui agredido verbal ou psicologicamente. Durante estes anos vi vários colegas serem agredidos chegando ao cúmulo de ter uma colega grávida a ser arrastada pelos cabelos por uma sala do serviço de urgência. Continuar a ler


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Uma mão cheia… de nada!

Gostava de estar a escrever que não tinha razão na minha visão sobre o que seria o mandato do Dr. Adalberto Campos Fernandes como Ministro da Saúde.
Apelidado pelo próprio de ser “anti médicos” quando apenas defendia o bom trabalho de equipa e o potenciar de todas profissões da saúde não apenas a típica discussão centrada em médico, medicamento e hospital.

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E se fosse na saúde…

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Eu sei que a tragédia foi má demais e na minha opinião, já se falou mais do assunto do que o que seria verdadeiramente necessário, mas não resisto a usar esta assombrosa metáfora.

Entremos no mundo da fantasia e imaginemos que em vez de um incêndio era um evento que necessitaria de toda a saúde ao mais alto nível pondo à prova pré hospitalar e serviços hospitalares…

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Coordenação Nacional da RNCCI

 

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Num passado recente fui candidato à Secção Regional Sul da Ordem dos Enfermeiros.
Também já o expus neste espaço que sou um defensor do reforço dos Cuidados de Saúde Primários e da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, pois através deste reforço teremos um melhor acesso a cuidados de saúde e uma melhor qualidade e eficiência nos cuidados prestados. É também sabido que o reforço destas áreas de atuação irá certamente a prazo resultar na consequente valorização dos cuidados de enfermagem, não fossem estas áreas de eleição da sua atuação.
Ainda irei escrever sobre a experiência de ser candidato e principalmente sobre o valor da democracia nas passadas eleições para a OE.
Hoje os motivos são outros, motivos que me deixam muito feliz…
O Coordenador Nacional da RNCCI é um Enfermeiro! Parabéns Enf. Manuel José Lopes!
Mas deixem-me realçar ainda mais um segundo motivo. É com muita honra que vejo dois dos candidatos da lista que liderei serem nomeados para a Equipa de Apoio do Coordenador Nacional da RNCCI.
Enf. Maria Graça Eliseu –Candidata a Presidente da MAR pela lista F
Enf. César Vicente da Fonseca – Candidato a Presidente do CFR pela lista F

Isto só fortalece a ideia que eu já tinha. Liderei uma excelente equipa!
Uma equipa que se poderia apresentar para um reforço e construção de um futuro ambicioso mas consistente e realista para a Enfermagem.
Parabéns aos escolhidos e votos de muitos sucessos.
Juntos Construímos a Enfermagem em que Acreditamos!

O Despacho n.º 201/2016 com as respetivas nomeações


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David, o sistema está podre por dentro!

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Durante os últimos dias tem sido de sobremaneira discutido o caso do David.
É triste, revoltante e inaceitável quando um jovem de 29 anos morre.
Pode (e deve) ser discutido o caso mas deve (e pode) ser feito um distanciamento e ser analisado o sistema que levou ao caso…

Porque é que a notícia surge?
Olhemos para as consequências:
– Mediáticas: demissão do presidente da ARS, presidente do CA do CHLC e CHLN
– Emocional: O David morreu!
– Oculta: Contratação imediata de médicos para prevenção ao fim de semana pagos ao “peso de ouro” exigido quando deixaram de o fazer

É indiscutível que os cortes na saúde dos últimos anos levaram à necessidade de “escolhas” que têm este tipo de consequências.
Mas é também indiscutível que o sistema está pervertido… é perverso no seu amago… e o regulador não só não consegue regular como não quer regular efetivamente. Os lóbis na saúde superam o essencial!

Podemos pensar quem publicitou a notícia mas certamente que quem ganhou foi o loby médico.
Não digo que não devemos lutar para que os profissionais de saúde ganhem mais ou melhor ou diria até o justo. Mas e a responsabilização associada ao valor?
E a Maria que morreu durante a noite com um Hematoma Epidural porque o Neurocirurgião de prevenção dormia e não “acordou a tempo”?
E o Júlio com a disseção da aorta que morreu porque o Cirurgião da Cardio-Toracica de prevenção em casa disse que “não era urgente”?
E o João com a hemorragia digestiva alta que morreu porque o Gastroenterologista de prevenção “assumiu” que só fazia a EDA de manhã?
E a Francisca com o pneumo-peritoneu que morreu porque o Neurorradiologista se “recusou” a vir fazer a TAC com contraste às 3h37 da manhã?
E a Graça que ficou com a face desfigurada porque o Cirurgião Plástico de prevenção “referiu” que a ferida complexa poderia ser suturada apenas a meio da manhã?

E já agora… e a Sofia que morreu porque ficou só um Enfermeiro para 20 pessoas em Portalegre porque o colega teve de vir trazer a Joana a Lisboa?
E o Francisco que morreu porque não havia prevenção de Enfermagem para transportes em Faro (porque não há dinheiro para prevenções na enfermagem)?

David, o sistema está podre por dentro!
Vamos continuar a ter David’s enquanto estes casos forem usados para defesa de lóbis e não verdadeira melhoria dos cuidados de saúde!
Vamos continuar a ter David’s enquanto o acesso à saúde se avaliar apenas por acesso a médico e medicamento!
Vamos continuar a ter David’s enquanto a responsabilidade não for assumida por todos – profissionais de saúde e decisores políticos!


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Não se fazem omeletes sem ovos!

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Uma das notícias da semana na área saúde foi o projeto desenvolvido pela Gulbenkian para diminuir as taxas de infeção hospitalares.
O expresso noticia que entre 2010 e 2013 aumentaram 55% as mortes por estas infeções.
Não sei como os dados foram apurados e que tipo de pessoas morreram com estas infeções. Se a gravidade da doença levaria a que morressem na mesma, se a cirurgia complicou por varias razões e entre elas estava uma infeção nosocomial.
Não sei!

Mas sei que a falta de enfermeiros leva a mais infeções nosocomiais.
E não sou eu que o digo.
Dou aqui apenas alguns exemplos:
– Um estudo, desenvolvido em Genebra, verificou que o risco de infeção aumentou 50% em pessoas atendidas por equipas de enfermagem reduzidas (1)
– Outro estudo, desenvolvido em Genebra, verificou 30% de redução do risco de infeções hospitalares entre as pessoas que foram atendidas por equipas de enfermagem adequadas (2)
– Um 3º estudo, desenvolvido na Pensilvânia, mostra uma associação estatisticamente significativa entre as infeções do trato urinário e infeções do local cirúrgico com o número de doentes para enfermeiro. Mostra ainda uma associação entre estas infeções e o nível de burnout dos enfermeiros (3)

E certo também é que o número de enfermeiros diminuiu de 2010 para 2013.

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Como uma imagem vale mais que mil palavras o gráfico anterior mostra a evolução dos números.
Sei que não podemos fazer inferências diretas mas…
O que se observa é que ao mesmo tempo que o número de enfermeiros diminuiu as mortes por infeções associadas as cuidados de saúde aumentaram.

Sr. Ministro, não se fazer omeletes sem ovos e já agora aproveito para o alertar que as omeletes com ovos liofilizados (TAE, TOTE, TAS) não têm o mesmo sabor!

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Juntos Construímos a Saúde em que Acreditamos

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Há pouco tempo lançaram-me um desafio…Para ti como seria um possível processo de reforma do sistema de saúde português?
E aqui vai a partilha…

No atual contexto demográfico, social e económico é necessária uma mudança de paradigma de abordagem da saúde, com novas estratégias que se articulem com outras políticas e mobilizem a ideia de que o bem-estar do cidadão está diretamente ligado à prosperidade económica.
Hoje a população é mais idosa. Observa-se na população portuguesa uma baixa taxa de natalidade e fecundidade e houve um aumento da esperança média de vida.
A população acumula-se no litoral aumentando a população urbana e principalmente a periurbana dilatando a iniquidade entre litoral e interior e entre região urbana e periurbana.
Há uma desregulação no acesso à saúde que levou a houvesse portugueses com acesso a médicos e enfermeiros de família e outros não, o que, entre outras consequências, faz com que cerca de 40% das urgências hospitalares sejam problemas de cuidados saúde primários.
Observam-se problemas na verdadeira implementação de reformas conducentes do plano nacional de saúde. A implementação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) não dá resposta a todas as necessidades, é difícil o acompanhamento da doença crónica, não há monitorização da adesão ao regime terapêutico, a saúde escolar tem grandes lacunas e a saúde mental contínua no paradigma da institucionalização e com pouca intervenção comunitária.
No mercado da saúde há uma relação de agência imperfeita devido à assimetria de informação entre os consumidores e prestadores. O cidadão fica então em uma situação de fragilidade quando necessita de “consumir” cuidados.
No entanto, a liberalização do acesso e a indução da procura elevam o risco moral levando a que os serviços públicos ou com acordos, mais tarde ou mais cedo vão estar cheios, multiplicando o número de consultas, meios complementares e de diagnóstico, consumo de medicamentos e número de urgências e internamentos. Neste contexto, exige-se, ao estado, que assuma o controlo deste aumento do consumo e aumento de custos.
Olhando para o sistema de saúde existente, o maior consumo está nas estruturas hospitalares e na indústria que gravita em torno destes. Assim só controlamos este consumo se reduzirmos a procura hospitalar e isto só se consegue com várias medidas.
São necessárias várias medidas.
Melhoria e reforço dos cuidados primários. Deverá ser reforçada a aproximação ao cidadão transferindo recursos dos hospitais para os centros de saúde, garantindo um acesso facilitado e um melhor acompanhamento do cidadão. A aposta na educação na saúde e hábitos de vida saudável desde a idade escolar deverá ser também uma das prioridades.
A diminuição da permanência em meio hospitalar através do reforço da RNCCI. Deverão ser desenvolvidas ações de promoção de envelhecimento ativo, promoção de autonomia e promoção de descentralização e intervenção em proximidade com e na comunidade. O idoso deverá ficar cada vez mais em sua casa ao invés da institucionalização.
Tudo isto exige ainda uma verdadeira integração dos cuidados que promova a articulação aos diferentes níveis (primário, secundário e continuados) colocando o cidadão no centro do sistema. As Unidades Locais de Saúde são uma forma de executar esta integração, mas será necessária uma avaliação dos casos de implementação existentes, para avaliar se será o melhor ou se também aqui teremos de alterar a forma de realizar. Nesta ideia de integração e evolução é preciso ter em atenção o serviço social que deverá estar mais perto que longe da saúde.
Deverá ser feita uma aposta na formação em literacia na área da saúde, sustentando uma capacitação dos cidadãos e respetivos cuidadores dentro da gestão do seu bem-estar.
Ora, neste processo de evolução do sistema fica a faltar o “fecho” de hospitais que já deveria estar a acontecer. Com a transferência de cuidados para os CSP e RNCCI o hospital deverá ficar apenas restrito a cuidados complexos, garantindo nestas casuísticas uma prestação de qualidade. A concentração dos hospitais em centros hospitalares deveria ter iniciado esta convergência de cuidados com a agregação de atividades similares mas isso não se verificou. Esta centralização de serviços garantirá uma melhor alocação de recursos e consequentemente melhores resultados clínicos.
Tem faltado também ao longo dos últimos anos uma maior aproximação aos profissionais de saúde prestadores, ouvindo-os e integrando-os, fazendo com que estes sintam a reforma como deles também e capacitando-os assim para fazerem parte da transformação.
Esta transformação não se dá se o sector da saúde for visto de uma forma estanque e apenas no sistema de saúde. Por isto, deverá ser ainda promovida a implementação de iniciativas intersectoriais. Escolas, segurança social, autarquias, ambiente deverão desenvolver atividades que promovam a saúde aos vários níveis, envolvendo vários profissionais com proximidade aos cidadãos e agindo de forma a beneficiar todas as partes envolvidas.


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Os Serviços de Urgência – a discussão que se precisa!

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Em agosto de 2013, aquando das declarações descabidas do bastonário da ordem dos médicos sobre a triagem de Manchester, tive a oportunidade de afirmar na RR que “se queríamos abordar o problema das urgências em Portugal teríamos de falar no período entre a triagem de Manchester e o atendimento médico”. (link)
Passados pouco mais de ano e meio, não se tendo ninguém (inclusive o ministério da saúde) preocupado com esta questão, com o agravar da falta de profissionais de saúde (principalmente enfermeiros) no SNS e em concreto nos SU’s, este problema veio ao de cima.
Atingimos tempos absurdos… houve mortes!

Foram muitas as opiniões que tenho lido e ouvido sobre o tema. Umas mais informadas outras mais leigas. Umas em defesa dos lóbis do costume, outras mais construtivas. Mas continua a chocar-me, que nesta questão em concreto se continue a debater o superficial e não se debata as questões de fundo.

Pedido de MCDT na triagem?
Há cerca de 10 anos que no serviço onde trabalho pedimos Rx a monotraumas, há cerca de 5 que pedimos ECG nas dores torácicas e há cerca de 2 que administramos Paracetamol em estado febris. Tudo sob protocolos associados ao sistema de triagem. E não, não somos nem melhores nem piores do que os outros.

Será que só “alguns” vêem que a atual rede de urgências em Portugal não funciona e este modelo está completamente ultrapassado.
Os problemas em concreto:
– O sistema está centrado nos profissionais de saúde e não no cidadão e nas suas necessidades.
– Temos mais de 50% de pessoas que recorrem a estes serviços que não deveriam lá estar.
– O tempo entre triagem e atendimento médico tem picos inadmissíveis (e não é só num hospital) e o cidadão está em local não vigiado por falta de enfermeiros.

O problema resolve-se quando o sistema for verdadeiramente centrado no cidadão e não nos profissionais. Quando passarmos o que se escreve há mais de 20 anos para a prática… A lógica será quebrar com o sistema organizado em função de médicos ou especialidades médicas.

Mais importante que pensar como organizar o hospital é pensar que o hospital deverá ser só para situações agudas complexas… o cidadão tem de estar “sempre” o mais próximo possível de casa. Quero com isto dizer que os profissionais (médicos e enfermeiros) têm de ser capazes de o cuidar em casa. Este só deverá recorrer ao hospital quando na comunidade e proximidades o cuidar não foi possível.

O problema das urgências resolve-se quando houver coragem de ver estes serviços como verdadeiros serviços de urgência. Quero com isto dizer que o cidadão que é triado com verde ou azul é visto em regime ambulatório, fora do atual SU e se possível fisicamente separado do hospital ou em consulta externa.
Claro que para tudo é preciso coragem e responsabilidade. Aqui a coragem política de deixar o SU para quem realmente precisa e o atendimento não urgente para o ambulatório que é o que realmente é. Claro que a pessoa precisa de assistência, está “não saudável” (sim porque pode não ter doença) e precisa de ser visto, atendido, cuidado. Mas no meu ponto de vista pode muito bem ser em ambulatório, mas num ambulatório com condições, profissionais e MCDT necessários, não despejados em contentores para que as 22h de espera estejam escondidas no canto mais negro do hospital.

O problema resolve-se quando mudar o sistema de financiamento dos sistemas de saúde, centrado na medição de produção de apenas uma profissão e em concreto dos serviços de urgência que incentiva o hospital a “querer” mais pessoas não urgentes que urgentes.
E  já alguém pensou que se podem criar verdadeiros centros de responsabilidade integrada com o acima dito “verdadeiro SU” e as UCI? Não melhoraria a resposta? Ter profissionais (médicos porque os enfermeiros já são) dedicados aqueles área, 24 horas e 7 dias por semana, não os faria vestir mais a camisola do que irem lá fazer um banco de 24h ou 12h, estarem numa suposta equipa fixa ao SU mas apenas 12h/dia ou mais grave serem meros tarefeiros?

Gostava que no futuro deixassem de acontecer turnos em que temos 34 pessoas deitadas em maca, dependentes ou semi-dependentes, com alta necessidade de verdadeiros cuidados apenas para 2 enfermeiros.

No entanto continuo a Acreditar que cabe também a nós Enfermeiros: mudar os outros (inclusive os nossos colegas), fazer a diferença nos contextos, lutar por condições de trabalho mais dignas e exigir cuidados de qualidade para o cidadão.


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Saúde Mental em Portugal

Ao longo do dia surgiram-lhe uma serie de flashes, imagens e vozes. Pessoas que não conhecia seguraram-na pelo braço e usaram da força para a levar.
Sem perceber deixou-se ir…
Quando se sentou na cadeira e olhou em frente viu um jovem do outro lado da secretária.
“Olá sou o Enf. Pedro, que aconteceu?”
Aquele olhar transmitiu-lhe segurança e o seu discurso surgiu expontâneo:
“Tenho um problema na garganta, uma âmpola de 10 mil kilómetros, tenho puplexis durante a noite, a madrugada… eles querem-me fazer mal, queriam-me matar, que eu não… desde que arranjei hemorragia interna e fiquei meses na cama, invasão interna por espermas, não tenho urina própria. Eu não tenho este nome, não sou desta família, eu tenho um nome arcaico, o meu é de parentesco comum, sou Lenina, sou frívola, não tenho capacidade para dar amor, tenho sentimentos mas não tenho sentimentos comuns. Sou rucra, bulcra, burca. Tenho tendencias de homem burca, de Esparta. Sou do Nepal, na transição para a comarca de Coreia do Sul…” Respirou fundo e continuou “…eu não tenho maldade mas tornei-me malévola, malévola demais para me dar com homem bom… não tenho ar amigo, gosto de pessoas puras de coração… ele aparece com homem de raça preta, que fica a corroer o olho. Eu tinha amigos mas eles não respeitam a virgindade de uma mulher, o meu desejo não é de um homem comum, puro… “.

Ontem comemorou-se o Dia Mundial da Saúde Mental…
Estudos recentes mostram que a doença mental tornou-se uma das principais causas de incapacidade para atividade produtiva, morbilidade e morte prematura.
… desta forma, seria importante refletir sobre a realidade do país nesta área e o debate seria imenso, mas acabo por deixar apenas três pontos de reflexão.

O Serviço de Urgência como porta de entrada do cidadão com doença mental
É muitas vezes esta a entrada no sistema do cidadão com doença mental.
A maioria das vezes este cidadão é trazido ao SU sem saber o porquê. A própria família não sabe/não quer ver a doença mental e recorre com queixas de outro cariz e só aí é identificada.
Neste serviço, cidadão e família encontram duas condições, ou falta delas.
Falta de condições físicas e estruturais para os acolher e profissionais pouco ou nada capacitados para lhe dar o apoio/atenção de que necessita.
É muitas vezes colocado perante o juízo social.
Fica muitas vezes num corredor cheio de estímulos quando alucina.
É ouvido num cubículo claustrofóbico 4×4.
A família essa, cansada de uma vida de acompanhamento pesado e muitas vezes violento, acaba por ver no SU um escape para o seu descanso e liberta-se das amarras que a prende ao doente mental.
Os profissionais (em muitos SU’s sem psiquiatras e muito menos enfermeiros especialistas em saúde mental) recorrem ao seu juízo e senso clínico na abordagem a estes cidadãos. Sem uma abordagem sistematizada e personalizada, dirigida ao problema.
O doente mental continua a ser um parente pobre nos SU’s…

Institucionalização vs Intervenção Comunitária
O paradigma da institucionalização na saúde mental começa agora a ser abordado/alterado.
O doente mental começa agora a ser de novo visto como cidadão que não pode ser isolado da sociedade e metido num quarto de enfermaria, isolado da sociedade e do mundo para o qual nasceu e terá de se integrar.
Mas esta mudança de paradigma esbate com o paradoxo da falta de profissionais que o ponham em prática.
Não há os psiquiatras necessários!

psiquiatras

No gráfico anterior vemos que temos em Portugal 10.8 psiquiatras por cada 100.000 portugueses, bem abaixo dos 15.6 da média da OCDE.
Não há os enfermeiros especialistas em saúde mental!
No gráfico seguinte vemos que temos apenas 12 enfermeiros especialistas para cada 100.000 portugueses, muito abaixo dos 50 da média da OCDE. Gritante e absurda esta diferença e com a agravante de sabermos que muitos destes não estão na prática clínica especializada.

enfermeiros saude mental

São necessários mais profissionais especializados que consigam, fora de instituição, fazer uma intervenção para identificar os cidadãos com estes problemas.
São necessários profissionais especializados que consigam ultrapassar a barreira das paredes da instituição e fazer uma verdadeira intervenção comunitária auxiliando a inclusão/reinclusão social destes cidadãos.
É necessário o apoio às UCC (unidades de cuidados na comunidade) para que possam ter os tais profissionais especializados para esta intervenção. Qual a unidade funcional melhor preparada para isto?

Abuso de antipsicóticos e antidepressivos
Como se vê nos seguintes gráficos o consumo de antipsicóticos e antidepressivos nos últimos anos em Portugal tem aumentado exponencialmente.

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Isto deve-se não só ao aumento da doença mental, por via do maior (não necessariamente melhor) diagnóstico, mas também da liberalização da prescrição de antipsicóticos e antidepressivos pelo médico de família.
Na imagem seguinte vemos que o consumo de antidepressivos em Portugal é mais do dobro da média da OCDE.

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Face ao estigma social da doença mental o cidadão nega muitas vezes estes problemas e quando procura um profissional de saúde é na maioria dos casos o médico de família ao invés do especialista, neste caso, o psiquiatra.
O médico de família que tem muitas vezes uma incapacidade de acompanhamento, identificação e referenciação da doença mental, vê no antipsicótico e antidepressivo o escape à resolução da situação clínica do cidadão que o procura.
Com este consumo massivo é muitas vezes descurado o acompanhamento e a referenciação.

Se sei que as reflexões que trago não são novas é importante mante-las vivas e pensar sobre elas.
O combate ao estigma social em relação à doença mental, implica mudanças estruturais e de mentalidade e todos nós teremos um papel ativo na transformação deste paradigma.